Como eu já havia dito na preview, desde os primeiros teasers lançados, Clair Obscur: Expedition 33 prometia ser um jogo bem fora da curva. O título da Sandfall Interactive e da Kepler Interactive, que já está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S (no day one com o Xbox Game Pass) e PC (via Steam e Epic Games Store), é daqueles que não apenas surpreendem pela ousadia estética, mas também pela profundidade narrativa, densidade emocional e um combate que mistura o melhor dos turnos com a adrenalina da ação. O resultado é um RPG que dialoga tanto com os veteranos do gênero quanto com novatos curiosos por experiências marcantes.
Nesta review, vamos explorar os principais pontos de Clair Obscur: Expedition 33, justificando os elogios já afirmados desde o primeiro parágrafo. Sendo assim, prepare-se para encarar criaturas bizarras e viver fortes emoções nesta análise especial do Pizza Fria!
Profundidade narrativa surpreende
Ambientado em Lumière, uma cidade inspirada na Belle Époque francesa e mergulhada em desespero, Clair Obscur: Expedition 33 parte de uma premissa bem instigante: anualmente, uma entidade misteriosa conhecida como a Artífice pinta um número no céu, e todas as pessoas com aquela idade viram pó e flores, literalmente. Sem exceções, sem despedidas. A contagem é regressiva, levando a humanidade ao seu fim iminente. E, logo no início do jogo, podemos perceber como os habitantes deste mundo insano lidam com este fim, de uma maneira melancólica e repleta de sentimentos e sentidos. É bonito demais, convenhamos.
Porém, a única esperança dessa desgraça de contagem regressiva acabar recai sobre expedições suicidas compostas por aqueles que serão os próximos a desaparecer. Na 33ª expedição, acompanhamos Gustave, Lune e outros personagens tão reais em seus traumas quanto complexos em suas motivações. A narrativa não entrega respostas fáceis, tampouco é simples de ser entendida. Pelo contrário, ela se desenvolve camada por camada, tratando de temas como luto, sacrifício, resiliência, formas de lidar com regras e o principal: o verdadeiro sentido da existência. O jogo é, acima de tudo, uma reflexão melancólica e artística sobre como lidamos com o fim, seja ele pessoal ou coletivo.

O destaque aqui é como Clair Obscur: Expedition 33 constrói seus personagens. Maelle, por exemplo, evolui ao longo do jogo de maneira arrebatadora, tornando-se o coração da expedição. Por sua vez, Sciel esconde coisas obscuras por trás de seu bom humor, e outros, como Verso e Esquie, nos cativam com personalidades singulares. São personagens que não seguem clichês de heróis arquetípicos, tendo cada um deles traços tão específicos e únicos, que surpreendem. São adultos marcados por perdas, escolhas duras e dilemas morais complexos. Tudo isso se reflete em diálogos riquíssimos e atuações de voz excepcionais.
Desta forma, a narrativa de Clair Obscur: Expedition 33 é um dos principais pontos. Ela nos emociona, inspira e nos motiva a seguir, por mais complexo que os desafios fiquem ao longo de boas horas de jogo. E, acredite, são boas horas mesmo, passando facilmente de 50 horas de desafios, emoção e muitas batalhas. Como um apreciador de histórias, é inegável que o que Clair Obscur: Expedition 33 traz é um marco positivo para o lado das narrativas dos videogames.

Um sistema de combate que reinventa os turnos, mas tem alguns problemas
A jogabilidade de Clair Obscur: Expedition 33 é um espetáculo à parte. Embora se baseie em turnos, o jogo adiciona elementos de ação: parries, esquivas, saltos e até contra-ataques precisam de execução manual e reflexos afiados. A exigência de atenção é tamanha que, em teoria, seria possível zerar o jogo sem tomar um único ponto de dano, um feito para poucos.
Porém, a meu ver, essa mecânica, que realmente inova o estilo de jogo de turnos, é muito complexa. A resposta dos controles parece não ser muito coerente com a ideia, sobretudo pela ampla variedade dos movimentos inimigos. Se essas ações não fizessem tanta diferença, eu acharia mais interessante. No entanto, elas mudam totalmente os rumos das batalhas. Se você não acertar esquivas ou movimentos de defesa em algumas ocasiões, você simplesmente perecerá de maneira muito fácil. E é como eu disse, a mecânica não é nada fácil de ser dominada, sendo um ponto meio frustrante, embora tenha melhorado bastante desde a preview. Enfim, é questão de prática, tentativa e erro, mas poderia ser mais intuitivo.

Outro ponto bem legal em Clair Obscur: Expedition 33 é que a complexidade de cada personagem vai além dos aspectos narrativos. Eles possuem mecânicas únicas, que fazem toda a diferença no jogo. Maelle, por exemplo, pode alternar entre estilos de esgrima com modificadores drásticos de desempenho. Em sua postura Virtuose, com as condições certas, ela se torna uma máquina de destruição, ultrapassando o limite de dano com combinações de habilidades e pictos, itens que personalizam os efeitos e estratégias do combate. Isso acrescenta uma camada de detalhamento muito positiva ao mundo caótico de Clair Obscur: Expedition 33.
Por conta desse e outros aspectos, o planejamento estratégico em Clair Obscur: Expedition 33 também brilha. A ordem de turnos é visível, e há sinergias complexas entre os personagens e outros detalhes como danos elementais, fraquezas e resistências, que precisam ser considerados em cada batalha. Gustave, por exemplo, pode eletrocutar inimigos aquáticos com eficiência, enquanto ataques elementares mal aplicados podem ser inúteis. E ele costuma reclamar quando executamos seus golpes sem força total.

Porém, não se engane. Mesmo com toda essa profundidade, o sistema se mantém acessível. Portanto, Clair Obscur: Expedition 33 consegue ser um ótimo jogo para quem não domina RPGs por turno, trazendo uma curva de aprendizado suave graças aos tutoriais integrados, diálogos explicativos e um design inteligente que recompensa a experimentação. E o melhor: cada batalha é visualmente impactante, com efeitos de partículas, animações teatrais e uma direção de arte de cair o queixo. É um jogo lindo, diga-se de passagem. Mas apresenta alguns bugs visuais que acabam “enfeiando” a experiência: mãos que atravessam corpos, personagens surgem em lugares bizarros, etc. Não é grave, mas é necessário de se mencionar.
Uma direção de arte maravilhosa em cada detalhe
Visualmente, Clair Obscur: Expedition 33 é um deleite, mesmo apresentando algumas inconsistências nas cutscenes. Trazendo cenários inspirados na arte e arquitetura francesa do início do século XX, o jogo constrói um universo onírico e sombrio, onde beleza e morte caminham lado a lado, algo nítido desde o princípio da aventura. Desde áreas submersas até florestas desbotadas, cada detalhe nos mapas soam como pinturas vivas que simulam um verdadeiro labirinto, nos forçando a explorar cada canto deste mundo. Porém, para alguns, a ausência de uma orientação objetiva pode ser meio frustrante. No entanto, essa proposta reforça a sensação de se estar à deriva em um mundo desgraçado.
O design dos inimigos, por sua vez, é maravilhosamente bizarro. As criaturas que surgem parecem ter surgido de uma mistura louca dos filmes de Guillermo Del Toro com viagens absurdas de Hideo Kojima, e pitadas de capas de disco de heavy metal com pegadas góticas. Essa mistureba gera criaturas que desafiam o grotesco e o sublime ao mesmo tempo.
Essa estética é complementada por gráficos em Unreal Engine 5 e uma dublagem impecável, com atuações que trazem ainda mais peso aos diálogos intensos. Inclusive, o elenco do jogo é um espetáculo à parte, trazendo atores como Charlie Cox, nosso Demolidor, como Gustave, e a lenda Andy Serkis, eternizado em O Senhor dos Anéis e Planeta dos Macacos, que dá vida a Renoir.
Já a trilha sonora é uma das maiores forças de Clair Obscur: Expedition 33. Com composições assinadas por Lorien Testard, a música transita entre o clássico, o jazz e o eletrônico, sempre encaixando perfeitamente com o tom de cada cena. A faixa “Alicia”, interpretada por Alice Duport-Percier, é um exemplo do impacto emocional que a trilha causa. Esse cuidado sonoro se estende aos efeitos e à ambientação. Inclusive, dou a dica de se jogar com fones de ouvido. Desta forma, é possível captar em detalhes os pequenos sinais que indicam ataques inimigos, diálogos sussurrados e sons ambientais. É tudo muito lindo e condizente com a proposta do jogo, que nos causa inúmeras sensações.
Vale a pena jogar Clair Obscur: Expedition 33?
Clair Obscur: Expedition 33 é mais do que um ótimo jogo, é uma afirmação artística em meio a jogos comuns e sem qualquer resquício de alma ou originalidade. Em uma era em que se exige cada vez mais conteúdo, gráficos realistas e experiências mastigadas e diretamente ligadas à ação, ele aposta na profundidade, na emoção e na beleza do inusitado. Tem seus pequenos problemas, principalmente na curva de aprendizado do sistema defensivo e em bugs visuais, mas nada que diminua o brilho da obra, que consegue casar de maneira belíssima diversos aspectos, sendo uma verdadeira obra-prima.
Portanto, se você é fã de RPGs de turnos que ousam ir além do combate, que valorizam narrativas maduras e que desafiam tanto o intelecto quanto o emocional, esse é um título obrigatório. E se você não for tão fã assim do gênero, pode acabar se apaixonando por conta de Clair Obscur: Expedition 33. A Sandfall Interactive conseguiu, com uma equipe reduzida e um orçamento modesto, criar um título gigantesco, que ecoa as melhores tradições do gênero, mas com identidade própria. É um jogo que já nasceu sendo um clássico, e vale muito a pena ser jogado e apreciado em cada detalhe. Por fim, vale mencionar que essa obra de arte é totalmente legendada em português.
*Review feita em um PC equipado com uma GeForce RTX, com código fornecido pela Kepler Interactive.
Clair Obscur: Expedition 33
R$ 179,90+Prós
- Legendado para português brasileiro
- Uma narrativa potente, com excelentes personagens e dilemas
- A direção de arte é impecável, desde os gráficos até a trilha sonora
- Atuações e dublagens de alto nível
- Tutoriais são excelentes para aprender as dinâmicas
Contras
- Alguns bugs visuais sujam um pouco a beleza do game, mas nada grave
- Mecânica de defesa e parry extremamente complexa e relevante para um jogo de turnos
- Ausência de direcionamento pode ser frustrante para alguns